Muitos de nós conhecemos bem o termo obsolescência programada. Se não o termo, certamente os efeitos de tal prática no nosso bolso e para o planeta, cada vez que precisamos comprar um novo eletrodoméstico pois o recém-adquirido quebrou e o conserto sairia mais caro. Agora, ignorância programada talvez seja uma novidade para alguns.
Li sobre esse termo num artigo da Folha de 2001 que falava sobre a síndrome do excesso de informação. Em um mundo que nos impõe uma enxurrada de informações minuto a minuto e um imaginário coletivo de que temos que dar conta de processar o ‘improcessável’, com o perdão do neologismo, os resultados são sentimentos de ansiedade e incompetência ou insuficiência. Neste contexto, surge então esse termo, ignorância programada, o qual consiste em uma ‘sábia decisão em tomarmos conhecimento somente daquilo que de fato nos interessa, programando-nos para ser, completa e orgulhosamente, ignorante sem tudo o mais’. Retomemos, assim, a aceitação do sábio Sócrates que, apesar de se colocar ávido por novos conhecimentos, demonstrava tranquilidade em reconhecer que “só sei que nada sei”. Ou de Sherlock Homes, que justificou seu desconhecimento sobre o formato esférico do globo terrestre declarando ser esta uma informação secundária e, portanto, irrelevante para ele.
Muito radical? Limitador? Ou seria, libertador?
Em tempos de Covid-19, que nos coloca na frente de telas quase que ininterruptamente, acho a reflexão ainda mais pertinente. Toda (ou quase) a informação disponível no mundo a um clique… Quantas possibilidades. E quanta angústia! De minha parte, confesso que encontro um grau de alento na ideia de ignorância programada em meio a tantos papéis que exerço e tantas exigências internas e externas. Sigo, assim, na busca pela melhor forma de gerir esse paradoxo. De um lado, minha constante busca por me tornar uma pessoa melhor e por viver novas e desafiantes experiências profissionais. Por outro, reconheço que preciso de pausas mais frequentes, silenciar minha mente e me conectar mais com o momento presente. Como desafio desta década (talvez da vida), me dedico a caminhar na direção deste equilíbrio.
Não acredito em ‘one size fits all’ ou, em bom português, em ‘receitas de bolo’. Não costumam ser suficientes nem para fazer bolos, que dirá para alcançar uma vida plena e feliz. Mas sei que traz um conforto emocional ver o assunto resumido em tópicos de Do’s & Don’ts e pode despertar sim alguma reflexão na sua busca (única) pela tal vida plena e feliz. O que vem funcionando para mim, então? A prática da atenção plena na minha rotina e a meditação guiada pela respiração pelo menos uma vez ao dia. Considero caminhos acessíveis e possíveis dentro do nosso padrão atual de mentes controladoras e ativas ‘24/7’. Em breve escrevo mais sobre isso, na expectativa de tangibilizar um pouco mais tanta sabedoria oriental. Blocos de atividades protegidos de distração também são uma velha e ainda útil dica para que os projetos importantes não se percam em meio a tantas urgências e demandas circunstanciais. E como pilar de sustentação da busca por mais equilíbrio proponho o NÃO. Esta palavra monossílaba tão comum, que ouvimos desde bebês, mas que passamos a vida lutando para evitá-la ou driblá-la. Curiosamente pode ser de grande valia, se aprendermos a dar e receber, se for consciente, alinhado com nosso propósito e nossos valores. O conceito de ignorância programada abre espaço para experienciarmos o poder transformador e libertador de um não. Aproveite!
Dr. Alice Erthal para a Newsletter REDE TRANSPARÊNCIA.
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